Ao Mestre com Carinho II

Mestre Zezito

Em Brasília convivi com o Mestre Zezito [1] (1949 – 2006). Trabalhávamos nas coxias da sala Villa Lobos do Teatro Nacional, repassando os números que iríamos apresentar. Éramos vários artistas, convidados a participar de uma cerimônia de entrega de prêmios. A abertura seria com todos os artistas. Entrávamos, em cena, erguidos pelo elevador do palco, assim que ele parava, tomávamos a cena realizando pequenos trechos dos números que seriam apresentados naquela noite. Na coxia, quanto estava repassando o meu número, o Mestre Zezito que vinha cruzando o palco se ateve, ficou ali parado assistindo ao número. Quando conclui a minha passagem ele se aproximou, e com voz suave e bastante cautela, falava como quem pedia licença, com um extremo cuidado e uma segurança típica dos Mestres: - , ta errado, você não pode fazer assim como você esta fazendo. Não é por nada não, assim não funciona. Presta atenção: como palhaço a gente tem que fazer o que é difícil de ser feito da forma mais fácil possível e o que é mais fácil do jeito mais difícil. Olhou, e percebendo que eu estava com toda atenção voltada para ele, e me esforçava para entender, ele prosseguiu: - O seu número não é você subir na cadeira e rodar o prato na vara? A parte da cadeira você esta fazendo certa, subir na cadeira é muito fácil e todo mundo sabe disso; mas, para seu palhaço, é tão difícil, que você precisa pedir ajuda, chega a pegar alguém da platéia para ajudar. Isso é muito bom, enriquece o número. O problema é que, quando você consegui subir na cadeira e vai rodar o prato, você não pode errar, não da primeira vez. Da primeira vez, depois que você sobe, o prato tem que ser girado corretamente, não pode cair nem parecer que é difícil de fazer isso. Rodar um prato na vara, não é pra qualquer pessoa, exige treino e as pessoas sabem disso, então é difícil de fazer, por isso você tem que fazer como se fosse fácil. Depois de fazer a primeira vez certa, você pode errar, e pode explorar a segunda parte do número que é rodar o prato, como você explora a primeira que é subir na cadeira. Na segunda parte você pode ter dificuldade em pegar o prato que cai no chão, e outras coisas fáceis que você vai descobrindo, mas nunca o rodar o prato. Sempre que você for rodar, roda de verdade e cada vez que for rodar de novo, acrescente uma coisa que pareça deixar o número mais difícil, por exemplo, rodar o prato ficando em um , emendar essa vara na outra para parecer mais difícil ainda.

Segui todos os comandos dele. Naquela noite, todos os meus momentos funcionaram bem, arrisco a dizer que tive quase 100% de aproveitamento das minhas gags, dês das pequenas seqüências de entrada à apresentação do número individual, tudo funcionou muito bem.

Durante todos os treinamentos e oficinas para palhaços, que vinha participando, ouvia sempre dizer: O Palhaço o mundo ao contrário, a lógica do palhaço é invertida. Isso sempre me soava de forma poética, até romântica, compreendia filosoficamente o sentido dessas palavras, mas nunca tinha percebido a sua aplicação de forma tão clara e direta. Mestre Zezito fez a direção do meu número de forma mais eficiente e pontual possível. Tenho esse número em meu repertório até hoje e sempre que o executo respeitando esses procedimentos mínimos ele funciona de forma eficiente provocando o interesse e o riso na platéia.

José Regino

Brasília, ano 2007 d.C.



[1] Palhaço de Circo, Malabarista, Mágico e Bonequeiro. Depois saiu do circo passou a viver das suas apresentações na rua, seu número mais famoso era a quebra de um paralelepípedo sobre o seu peito e passagem de um Jeep sobre ele.

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